Apresentação do economista do Dieese Leandro Horie mostra que há indícios de que medida não apresentou os resultados esperados de geração de emprego e renda e de investimento na produção
A desoneração da folha de pagamento tem ganhado, nos últimos anos no Brasil, atenção tanto da mídia como de setores diretamente ligados ao funcionamento da economia, como governo, empresas, entidades sindicais e centros de pesquisa.
O tema, por sua complexidade, tem gerado discussões bastante controvertidas. A desoneração tributária, que significa o governo renunciar determinada arrecadação, não é coisa nova, e é ou já foi usada por vários países. O princípio é que, ao deixar de recolher determinado tributo ou contribuição social, a empresa invista e/ou contrate pessoal, visando aumentar sua produção.
No caso de desoneração da folha, o setor empresarial alega que uma alíquota alta (o chamado custo Brasil) reduziria a sua competitividade, sendo por isso adequada; já os críticos da medida afirmam que, por envolver recursos públicos, a medida deveria pelo menos ser fiscalizada e ter metas, como geração de emprego formais, que pudessem ser acompanhadas por toda sociedade, assim como o movimento sindical.
Esse cenário foi desdobrado na apresentação “Desoneração da folha de pagamento, perspectivas e impasses”, feita pelo economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Leandro Horie, na última reunião do Coletivo Nacional de Formação da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramos Financeiro (Contraf-CUT), realizada na sexta-feira (8), no formato remoto, por plataforma digital.
Histórico
No caso recente brasileiro, a desoneração da folha começou com o Plano Brasil Maior, instituído pela lei 12.546/2011, com 50 setores. Após diversos ajustes nas normas, restaram 17 atividades, modelo prorrogado até 2027 pelo Projeto de Lei (PL) 334/2023, aprovado recentemente pelo Congresso Nacional, mas vetado pelo presidente Lula (o legislativo ainda vai avaliar a decisão e pode derrubar ou manter o veto).
De 2012 a 2022, a iniciativa havia consolidado renúncia fiscal estimada em R$ 140 bilhões. Defensores dizem que sem ela as crises de 2015-16 e durante a pandemia de coronavírus teriam sido muito piores. Os críticos, porém, afirmam que não houve fiscalização e que os recursos serviram mais para a recomposição da margem de lucro das empresas do que para dinamizar os setores econômicos beneficiados. No movimento sindical como um todo, houve posicionamento favorável e contrário, mas a Central Única dos Trabalhadores (CUT) sempre defendeu que deveria haver metas e contrapartidas.
Porém, como afirmou Horie, “na prática não houve contrapartida social, não houve metas de criação de emprego ou aumento de produção”. De acordo com o economista, “a desoneração não significou investimento ou contratação de pessoal”.
Lobby
Os setores mais beneficiados com a desoneração, desde 2011, foram indústria, alguns serviços de tecnologia da informação, construção civil, transportes e segmentos da comunicação. Como são ramos bastante fortes na economia, o lobby pela manutenção da desoneração é muito grande. “Obviamente, os setores beneficiados vão defender a medida, mas esta defesa carece de bases mais sólidas, ou seja, que de fato a desoneração promoveu os resultados esperados. Vários estudos e dados indicam o contrário”, afirmou Horie.
Problemas e distorções
Conforme apresentou Horie, estudos técnicos, feitos desde que a desoneração da folha foi discutida e adotada, convergem para três resultados, nenhum favorável à manutenção da política.
De acordo com esses trabalhos mencionados, a inciativa: 1) não provocou impacto relevante no nível de emprego; 2) promoveu alta no emprego e produção apenas de modo marginal somente nos setores desonerados; e 3) ao mesmo tempo em que gerou alguns resultados positivos nos setores beneficiados, promoveu pouco efeito positivo, quando não negativo, no conjunto da economia.
“Os resultados apontam que houve evolução dos vínculos formais de setores desonerados em ritmo menor do que o geral do mercado de trabalho, assim como para a produção e o valor adicionado, exatamente o contrário do que os defensores propagavam que ocorreria”, completou o economista.
Previdência social e arrecadação
Leandro Horie ressaltou que “a desoneração acabou se transformando em um dos grandes problemas fiscais, constituindo-se como uma das fontes do déficit do orçamento federal”. Ele registrou que, “só em 2015 e 2016, foram mais de R$ 40 bilhões em renúncia fiscal”.
Para o técnico do Dieese, “certos setores da economia foram privilegiados, em detrimento de outros, com a ‘socialização’ desse gasto, sem alcançar os resultados esperados. No fundo, a desoneração parece ter beneficiado os empresários enquanto pessoas físicas e não a economia como um todo, como esperado.”
A desoneração no Brasil tem afetado diretamente as contribuições sociais que ajudam a financiar a previdência social. Como explicou Horie, “ao contrário dos impostos, que caem quando o consumo reduz, a arrecadação em folha é uma receita muito estável, e exatamente por isso é a base dos recursos da previdência”.
No Brasil, de acordo com o economista, “o processo de desoneração foi como a oferta de um ganho às empresas, que é dividido pelo conjunto social, porque o financiamento da previdência tem que ser coberto de algum modo. No fundo, essa desoneração afetou o financiamento da seguridade social como um todo. A empresa tem uma redução de custo, e a sociedade toda paga essa diferença”.
Muito a desejar
Pela análise do economista Leandro Horie, a comparação de três itens entre setores desonerados e não desonerados, resume a ineficácia da medida. São eles: 1) a geração de emprego, 2) o adicionado à economia, e 3) a produção. Para Horie, “como se nota por esses itens, aconteceu o inverso daquilo que era vendido pelos defensores da medida, que os setores desonerados apresentariam melhor desempenho”.
Conclusões
Em sua apresentação, Leandro Horie observou que “em teoria, a desoneração tem potencial para impulsionar a economia e gerar empregos, mas, como os recursos são públicos, é necessário que se estabeleçam metas bem definidas e meios de fiscalização da destinação e uso dos recursos”. Conforme o economista, isso é preciso para “a aferição de cumprimento das mesmas, como a quantidade de vagas geradas, em empregos de qualidade, para dar transparência ao processo, por exemplo”. Porém, “isso não aconteceu de forma alguma”, complementou.
Horie também pontuou que “é necessária a garantia de que não haverá perda de arrecadação do sistema previdenciário, pois há uma grande questão, que é o financiamento da seguridade social no Brasil”.
Para o secretário de Formação da Contraf-CUT, Rafael Zanon, “o debate foi bastante esclarecedor”. O dirigente afirmou que “a discussão de temas importantes como esse é fundamental, porque a classe trabalhadora tem que estar preparada para enfrentar essas questões, como é o caso da desoneração da folha, que ganhou grande destaque na imprensa com o veto da lei que determina sua prorrogação pelo presidente Lula”.
Zanon lembrou que os grandes interesses envolvidos no tema também podem gerar informações distorcidas, que impedem o trabalhador de conhecer os reais problemas da questão. “A imprensa joga pesado até pelo fato de as empresas de comunicação serem também beneficiadas pela desoneração da folha”, disse. “Por isso, temos que aprofundar o debate dessas questões”, concluiu.
Fonte: Contraf-Cut