Região retrocedeu 15 anos na luta contra a pobreza; 77% dos latino-americanos estão em situação vulnerável; Argentina e Bolívia já aprovaram projetos de tributação de grandes fortunas; Colômbia, Chile e Peru enfrentam protestos pela implantação de leis no mesmo sentido; no Brasil, propostas semelhantes patinam no Congresso Nacional
A campanha Tributar os Super-Ricos debate nesta segunda-feira (28) sobre a tributação das grandes fortunas na América Latina. O debate, com transmissão ao vivo pelo Facebook e Youtube do Instituto Justiça Fiscal (IJF), a partir das 19h, será retransmitido pelo Facebook da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT).
O deputado argentino pela Frente de Todos, Hugo Yasky; o tributarista internacional e porta voz da campanha latino-americana para tributar grandes fortunas, Jorge Coronado; e o economista, ex-dirigente do banco dos Brics e FMI, Paulo Nogueira Batista Jr. são os convidados da presidenta do Instituto Justiça Fiscal e membro da coordenação da campanha Tributar os Super-Ricos no Brasil, Maria Regina Paiva Duarte.
O objetivo do diálogo internacional é fortalecer o movimento na região, a mais atingida econômica e sanitariamente pela pandemia e ao mesmo tempo a que menos tributa a riqueza.
Dados
De cada 100 latino-americanos, 77 estão em situação vulnerável, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). A entidade aponta que a região retrocedeu 15 anos na luta contra a pobreza e estima que 2,7 milhões de empresas formais fecharam em 2020.
Mesmo com este quadro desumano, a lista de super-ricos no ranking da revista Forbes tem 51 latino-americanos no ranking 2021.
Segundo estudo realizado pela Rede Latino-americana por Justiça Econômica e Social (Latindadd), estima-se que os 10% mais ricos da América Latina possuem 71% da riqueza e que 60% dos bilionários latino-americanos receberam suas fortunas de herança e nunca pagaram impostos sobre os ativos financeiros e patrimoniais. Os dados apontam que a região é a mais desigual do planeta, com 41% da riqueza concentrada nas mãos do 1% mais rico, que contribui com apenas 3,8% da arrecadação total.
A crise empobreceu 45 milhões de pessoas na região e gerou um movimento que reúne 24 países na Campanha “Agora ou Nunca! Impostos sobre as grandes fortunas”, que busca a realização de mudanças legislativas para promover justiça fiscal em cada um dos países. Com as mudanças, projeta-se a arrecadação de US$ 26 bilhões por ano em 20 países do continente.
Só a luta te garante
Em dezembro de 2020, o parlamento argentino aprovou a tributação temporária de grandes fortunas como forma de superar o desastre econômico gerado pelos reflexos do coronavírus. Cerca de 80% dos potenciais contribuintes pagou o tributo, informa Administração Federal de Receitas Públicas (Afip). Com 45 milhões de habitantes, o país vizinho tenta tributar cerca de 12 mil pessoas físicas e jurídicas que tenham declarado ativos acima de US$ 2,2 milhões.
Destes, 10 mil pagaram no prazo, que era até 16 de abril, totalizando cerca de US$ 2,4 bilhões. Mais de 200 entraram na Justiça contra a cobrança e outros estão sendo notificados a atualizar dados e pagar os tributos e multa. Chamada de Aporte Solidário, a Lei 27.605 se refere a uma contribuição única para minimizar os efeitos da pandemia. A alíquota varia de 2,25% a 5,25%, dependendo do tamanho da fortuna e se os patrimônios são mantidos localmente ou no exterior.
Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, Hugo Yasky explica como funciona a tributação de grandes fortunas em parcela única na Argentina. Segundo ele, a necessidade do Estado em arrecadar recursos para enfrentar a pandemia e ser uma parcela única facilitou a aprovação.
Também no final de 2020, a Bolívia promulgou a Lei 1.357, com a diferença de aplicar imposto anual e permanente a todos que viverem na Bolívia, incluindo estrangeiros, preservadas as identidades dos milionários. Abrange apenas 152 pessoas com patrimônio superior a US$ 4,3 milhões, destinando a arrecadação na melhoria das condições de todas as famílias da Bolívia, com população de 11,5 milhões.
A lei estabelece porcentagens graduais para o pagamento da alíquota: 1,4% para pessoas com riqueza de US$ 4,3 milhões a US$ 5,7 milhões; 1,9%, até US$ 7,2 milhões; e 2,4% para fortunas maiores.
Chile e Peru travam fortes embates internos para aprovar medidas similares, mas os governos de partidos de direita, até o momento, freiam as mudanças. O presidente chileno, Sebastián Piñera, é o homem mais rico do seu país.
Na Colômbia, vinte pessoas morreram e mais de 800 ficaram feridas durante protestos, no final de abril, contra a reforma tributária enviada ao Congresso. Sindicatos, estudantes, indígenas, oposição e outras organizações da sociedade civil tomaram as ruas contra o projeto que alegam afetar majoritariamente a classe média.
A forte repercussão resultou na retirada do projeto de tramitação e a violência policial desproporcional motivou a renúncia do ministro da Defesa e manifestação da ONU em defesa dos direitos humanos.
No Brasil…
No Brasil, o Congresso Nacional debate sobre a proposta do governo de reforma Tributária, mas sem propor maior tributação para os super-ricos.
Para Mario Raia, secretário de Assuntos Socioeconômicos da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), entidade que faz parte da coordenação da campanha brasileira Tributar os Super-Ricos, o Brasil precisa acompanhar as legislações mais atuais que estão sendo aprovadas aqui na América Latina e no resto do mundo com relação à tributação dos super-ricos.
“O remendo de reforma tributária apresentada na semana passada no Congresso não atinge os principais focos da distribuição de renda. Continuam onerando os mais pobres”, criticou Mario Raia.
A campanha apresentou oito propostas para tributar apenas os 0,3% mais ricos (600 mil pessoas entre 210 milhões), arrecadando cerca de R$ 300 bilhões ao ano. As oito medidas para alcançar esse montante foram apresentadas ao Congresso Nacional em agosto de 2020, mas sequer foram colocadas em tramitação. “As propostas de reforma tributária (PEC) que estão no parlamento brasileiro não fazem justiça fiscal e são de complexa tramitação. O que propomos são medidas emergenciais, projetos de lei que não necessitam de PEC, exceto uma”, explicou a presidenta do IJF, Maria Regina Paiva Duarte.
Fonte: Contraf-Cut