Denúncias incluem aumento de metas durante pandemia, demissões e falta de prevenção ao contágio de covid-19. Assédio no Santander tira sono de bancários e de seus representantes
São Paulo – O telefone dos dirigentes sindicais não para. Nem de madrugada. Bancários desesperados com a cobrança por metas que consideram mais abusivas em tempos de pandemia e com adoecimentos pela covid-19. O medo do desemprego fragiliza e, para os trabalhadores, é usado como pressão no Santander, terceiro maior banco privado do país. De origem espanhola, a instituição financeira obtém no Brasil 29% de seu lucro mundial. O número aumenta ano a ano. Mas, denunciam os bancários, o reconhecimento não vem.
“Já fui funcionária ‘caxias’, hoje não defendo mais o banco”, afirma, decepcionada, MSS, bancária que ainda não completou 30 anos e fez carreira no Santander. Começou como estagiária e chegou a gerente em cerca de oito anos. “Agora tenho ciência que somos número, está caindo a ficha dos funcionários: o Santander está sendo o pior”, relata, comparando a situação no setor durante a pandemia do novo coronavírus. “Temos colegas em outros bancos e não está tendo demissão. A gente se sente desrespeitada. Não sabemos se vamos ser mandados embora amanhã, não estão usando nenhum critério”, critica.
A diretora do Sindicato dos Bancários de São Paulo Vera Marchioni lembra que, mesmo quando lojas ainda estavam fechadas, no início do isolamento social, o banco enviava bancários para as ruas, “se virar” para abrir novas contas. “Essa pressão no Santander trouxe uma revolta muito grande. Fora do Brasil isso não está acontecendo. Nem na América Latina tem demissão, não tem essa forma de cobrança de metas, de cobrar que se reponham horas”, observa Vera. “Além de todo medo que as pessoas carregam (da covid-19), têm de ir trabalhar. No pior momento da pandemia, foi o banco que mais abriu agências”, denuncia.
Banco errático
“Isso tudo traz um estresse muito grande para as pessoas. O sindicato tem sido muito demandado. Todo dia muda protocolo em relação à covid. É um banco errático e sempre para prejuízo dos trabalhadores”, critica Vera.
Segundo a gerente MSS, que assim como outros nessa reportagem terá seu nome e local de trabalho preservados para que não haja risco de represálias, muita gente foi mandada embora depois de maio. Inclusive pessoas que estavam “entregando todas as metas”.
Ela conta que colegas demitidos fizeram a denúncia ao Sindicato. Procurada pelos representantes dos trabalhadores para explicar a pressão no Santander e os cortes, a gerência regional assumiu que não havia motivo nenhum, mas que a régua de demissão do banco estava “lá em cima” e que eles estavam só cumprindo um papel, apesar de surpresos com as demissões.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) informa que a situação no Santander é a mesma em todo o país. Desde junho já foram quase 700 demissões, de acordo com levantamento feito pela entidade. “Em mesa de negociação, a direção do banco disse que não demitiria. Depois pulou fora. Isso estava registrado também em balanço encaminhado aos acionistas”, diz o secretário de Assuntos Socioeconômicos, Mario Raia, funcionário do Santander e representante da Contraf na comissão que negocia com o banco.
No balanço do segundo trimestre, divulgado na quarta-feira (29), há uma diferença negativa de 844 postos de trabalho. “Isso faz supor que as demissões são ainda maiores, porque o banco tem contratado normalmente”, avalia o dirigente.
O movimento sindical tem feito uma série de campanhas denunciando o banco no Brasil e internacionalmente.
Lucro do Santander tem assédio
A bancária que denuncia as demissões também relata o horror da pressão no Santander para o cumprimento de metas, ainda mais sem sentido em tempos de pandemia. Entrevistada pela RBA antes da divulgação do balanço, ela cravou: tenho certeza que não vai ter nenhuma queda, a cobrança está muito insana. “Tem agência em que a meta de venda de seguro subiu 200%. Sendo que os clientes não aumentaram em 200%”, compara.
E realmente o Santander Brasil registrou lucro líquido, de R$ 2,136 bilhões, no segundo trimestre. Dependendo de como se analise o balanço, haveria queda de 41,2% em relação a igual período de 2019. Esse decréscimo, no entanto, refere-se ao aumento na provisão para devedores duvidosos (PDD ou risco de calote). O valor dobrou no período, para R$ 6,5 bilhões. Nele constam R$ 3,2 bilhões de uma provisão adicional feita pelo banco para cobrir eventual inadimplência supostamente decorrente da pandemia do novo coronavírus.
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Sem o aumento dessas provisões chamadas de crédito de “difícil recebimento”, o lucro líquido seria de R$ 7,749 bilhões e, nesse caso, haveria alta de 8,8% em 12 meses e 1,1% no trimestre. “O Santander aumentou essa provisão para dar impressão de que o lucro diminuiu. Só que não diminuiu não, e isso aos meus olhos também é uma forma de enganar as pessoas. Viu como são ardilosos? Não dão ponto sem nó”, comenta a bancária “ex-caxias”, cuja decepção transborda nas palavras.
Excelência e rapidez
Funcionária do Santander, responsável por verificar a documentação de empresas que pedem empréstimo ao banco, NON confirma o que tantos outros trabalhadores denunciam aos sindicatos em todo o Brasil. “Mesmo diante do aumento do número de empresas que fecharam e deixaram de pedir crédito, o banco cobra as mesmas metas. E você tem de fazer com excelência e rapidez.”
Por meio de reunião por aplicativos, conta NON, o gestor avisa que o banco está monitorando a hora que você entra, o que você faz, o que deixa de fazer, porque se acontecer alguma coisa você é demitido por justa causa. “É ‘aquela’ pressão no Santander. Agora algumas áreas estão fazendo um aditivo no contrato de trabalho para que os funcionários de grupo de risco fiquem em casa, mas uma vez por semana têm de ir ao banco, sem direito ao vale-transporte.”
Para a bancária, o Santander se aproveita desse governo (o de Bolsonaro) e sua política que beneficia os patrões. “Nossos direitos individuais e coletivos estão sendo manipulados, estamos morrendo lentamente. Ou você faz isso ou tem medo, porque sabe que o desemprego é muito grande. E as demissões estão acontecendo diariamente, todo dia sei que um colega meu foi desligado. Eles saem e nem podem se despedir. O gestor liga pra casa e diz: hoje você foi desligado, acabou.”
NON também expressa sua decepção. “O que vejo hoje no Santander: insatisfação muito grande por parte dos funcionários. Tenho mais de 10 anos de banco e para o que é hoje, depois da gestão ‘dele’, ficou uma coisa muito complicada. Para mim está sendo a pior fase. A pressão no Santander é desumana.”
Pior com Rial
“Ele” a que se refere NON é Sergio Rial. Presidente do banco desde 2016, Rial é apontado pelos trabalhadores pelo movimento sindical como o responsável pela piora nas relações de trabalho. A bancária, que tem dois filhos, diz que não quer essa vida para eles. “Já tive um surto, fiquei afastada. A pressão no Santander é muito grande.” Para ela, o Santander usa o medo do desemprego para pressionar em níveis insuportáveis. “Eles têm o poder. Com essa pressão, levam as pessoas a trabalhar doentes. Não se preocupam com os outros. Sergio Rial não respeita o trabalhador.”
A jovem MSS, a que já foi “caxias”, diz que Rial, que no início de sua gestão transmitiu pela empresa uma imagem “super-humana”, não é nada disso. “Algumas coisas melhoraram no mundo digital, mas para quem é funcionário do Santander, o assédio piorou. E com isso perde o cliente também. Não tem a total atenção nossa quando liga. Quer falar comigo, mas estou no caixa, revezando no balcão. Se as pessoas soubessem quanto a gente sofre…”
Para a presidenta da UNI Finanças Mundial, Rita Berlofa, o Santander mantém uma política antissindical sob a gestão de Rial. “Não prioriza o diálogo. Um gestor assim só se explica pelo fato de que aumentou o lucro. É o que acionistas querem como gestor.” A UNI Finanças é um dos braços da UNI Global Union. A federação internacional agrega entidades sindicais ligados ao setor de serviços que somam 20 milhões de trabalhadores em suas bases.
Segundo a dirigente, funcionária do Santander, Sergio Rial comanda o único dos grandes bancos que demite durante a pandemia, no mundo. “Nem nos EUA os bancos tiveram essa desfaçatez”, critica Rita. “E descumprindo acordo. Colocou no balanço voltado aos acionistas que não haveria demissão durante a crise da pandemia. Ou seja, mentiu.”
Denúncia internacional
O Santander, reforça a presidenta da UNI Finanças, mantém uma pressão violenta pelo cumprimento de metas, os trabalhadores estão enlouquecidos. “Podem até não adoecer de covid, mas terão problemas de ordem emocional enormes com toda essa pressão”, ressalta.
“A UNI lançou uma petição em nível internacional por meio da qual colhemos mais de 10 mil assinaturas enviadas diretamente à caixa de e-mail do senhor Sergio Rial”, diz a sindicalista. O documento se contrapõe à política adotada pelo Santander de demissões durante a pandemia, à falta de diálogo e a mudanças no fundo de previdência dos trabalhadores feita durante a pandemia, descumprindo aí também, como ela ressalta, um acordo que existia.
“Fizemos também pelas redes sociais, que é o que nos resta em termos de campanha na atual conjuntura, um tuitaço denunciando o banco. Ficamos entre os cinco assuntos mais comentados no dia. Cards e vídeos nas redes mantêm as denúncias em destaque.”
Medo da covid-19
O comportamento do Santander diante do adoecimento dos seus empregados pela covid-19 é outra forma de pressão que tira o sono dos bancários. O banco, que no início da pandemia saiu à frente com políticas protetivas que copiou da Espanha, logo mudou o caminho. E passou a não respeitar o acordado na mesa da Fenaban, no comitê de crise, denuncia Rita.
“A gente está vivendo coisas no Santander que eu nunca vivi na minha vida. Com essa questão da pandemia, começaram a exigir nosso retorno”, relata LOR, que tem doença autoimune, considerada grupo de risco. “Com isso, os casos de covid começaram a aumentar. Além dessa preocupação da pandemia, estamos brigando com o invisível. A gente sabe que foram apurados em torno de 15 a 20 casos no prédio onde trabalho. Tem gente coagida a não dizer que está doente.”
LOR denuncia, ainda, que em uma das idas à unidade onde trabalha teve contato com um empregado com covid, afastado no dia seguinte. Mas que as outras pessoas da área não foram afastadas. “Como o governo que a gente tem não respeita as leis, o banco faz exatamente igual.”
Infelizmente, diz a trabalhadora, o presidente Sergio Rial não cumpre o que fala. “Ele disse em canal interno para todo o Brasil que não demitiria ninguém durante a pandemia e no dia 30 de maio começou a demitir. E não são poucas, são muitas.”
E conta que o banco está cobrando horas “negativas” dos funcionários afastados diante do risco da covid-19. “Para quando vencer a quarentena, esses trabalhadores voltarem e pagar aquelas horas. Você acredita? A pessoa está de licença médica. A lei ampara. Isso é inconstitucional.”
Afastamento
O banco agora está dizendo que está implantando um novo protocolo contra a covid-19, informa Mario Raia, da Contraf -CUT. “Durante toda a pandemia foi uma loucura, a cada semana o banco mudava o protocolo. E na verdade a gente não tinha o atendimento necessário. Em unidades onde algum bancário era diagnosticado com covid-19, o banco só aparecia para fechar depois que o sindicato era acionado, três, quatro dias depois. Antes fazia uma sanitização e fechava o local. Depois passou a fazer uma de três horas e os funcionários voltavam a trabalhar. Agora, nesse novo protocolo, o banco está se propondo a testar e se der negativo a pessoa volta a trabalhar normalmente. Isso também é complicado porque o resultado pode ser um falso negativo diante da eficiência desses testes rápidos de farmácia.”
Em negociação com o Santander, assim como para os bancos em geral, o movimento sindical cobra que se afastem imediatamente os funcionários que tiveram contato com quem foi infectado pelo coronavírus.
“Agora, o banco está acenando com uma proposta de trabalho de quatro por um (quatro dias em casa e um na empresa). Informou que ‘por enquanto’ não está previsto corte de benefícios nem de salários”, diz Raia.
A campanha dos bancários deste ano tem uma reivindicação específica sobre teletrabalho. “Nossa proposta é regulamentar com parâmetros específicos, mas o Santander está vindo com implementações fora da mesa da Fenaban e isso é um perigo.” Um dos objetivos da regulação do teletrabalho é coibir a prática de assédio como o denunciado no Santander, e evitar que os bancários levem para casa o mesmo risco de adoecimento que vinham encontrando no trabalho presencial.
O que diz o Santander
Procurado pela reportagem da RBA, o banco Santander enviou a seguinte nota, por meio da assessoria de imprensa:
“O Santander faz parte do abaixo-assinado Não Demita, tendo sido uma das primeiras empresas no Brasil a anunciar que não faria nenhuma ação neste sentido até o final de maio. Nosso compromisso social segue inabalável. Anunciamos recentemente a busca de mais de 1.000 profissionais na área de tecnologia e iniciamos uma nova operação de atendimento no sul do Brasil que poderá gerar mais de 4.000 empregos ainda este ano.
Em paralelo, como parte da gestão de qualquer negócio, a liderança do banco iniciou um processo de reavaliação do nível de produtividade de suas equipes, que deve ser contínuo em uma empresa que busca manter o melhor nível de eficiência da indústria. O movimento é necessário para fazer frente a um entorno muito mais desafiador, além da necessidade de navegar com eficácia em um ambiente de arquitetura aberta, trabalho em rede e busca incessante de níveis de automação ainda mais contundentes.
Este quadro de mudanças inclui, por exemplo, o trabalho remoto de equipes de forma mais permanente, já a partir do segundo semestre. A meritocracia é um dos grandes valores da instituição e é o filtro que pauta qualquer medida na esfera de gestão do nosso capital humano.”
Fonte: Rede Brasil Atual.